Segunda Crónica do blogue da Revista Visão
Bureh é um lugar especial. Não só porque sobreviveu ao ébola, “que nunca cá entrou” e à guerra civil “os guerreiros tinham medo de ficar encurralados”, mas também, porque é uma das praias mais bonitas do país.
A ondulação irreverente, o areal entrecortado pelo rio e as enormes montanhas verdejantes dão-lhe um glamour natural.
As pessoas que cá vivem também são incomuns. O Bongue por ter finalmente começado a pagar as prestações do primeiro sistema solar na casa de madeira; a Kiki que tanto se dedicou a realizar o seu sonho e hoje é a primeira mulher surfista do país; a Francesa dona da homestay, que veio como turista há mais de 10 anos e nunca mais conseguiu saír; e o Powerman, que foi aprendendo yoga com os turistas que passavam até conseguir tirar o curso e afirmar até hoje que “muitos dos problemas sociais das novas gerações, como o meu filho, poderiam acabar se praticassem yoga”.
O surf e a pesca são as actividades principais. E por isso, para além do tradutor, o biquíni e uns mergulhos no mar parecem-me ser essenciais para cumprir o que me proponho (É importante haver uma integração cultural, ou não?).
Bureh tem o primeiro e único surf camp comunitário do país. Hoje é dinamizado por uma dezena de jovens Serra Leoneses, como o John ou a Kiki, que tentam inspirar a criançada da comunidade através do surf.
Desconfiei que falar de emoções num lugar como este, sem falar de ondas, não iria provavelmente acontecer. E confirmou-se quando o irmão mais novo da família Maray (de 5 anos) me respondeu assertivamente “Os adultos choram porque não há ondas!”
Esta é uma das perguntas que faço pelos quatro cantos do mundo “Porque será que os adultos choram?” e que remete automaticamente para a capacidade de empatia. Parece simples, mas perguntar-nos o que será que sentem as pessoas nas diferentes situações, permite-nos ginasticar a perspetiva sobre nós, os outros e o mundo. Particar empatia.
Em Lisboa, o Rafael de 5 anos, respondeu-me perguntando “Eles choram?! Não sabia…”
“Se calhar é porque estão tristes…e nesse caso o melhor a fazer é mesmo chorar”, acrescentou o mais velho dos irmãos Maray (com 8 anos).
A Mia disse-me, após uns momentos de reflexão “é porque são humanos…também sofrem”.
Já o Diogo, o Pedro (Lisboetas de 8 anos) e a Tendza (de Bureh, com 7 anos) estavam certos de que era por terem problemas no amor, ora “as mulheres choram por causa dos homens e os homens normalmente choram por causa de mulheres”. Mas a Tendza ficou dividida e acrescentou “também pode ser por causa dos amigos…é isso. Quando eles lhes fazem alguma coisa má”. A Maria Mackabala, também me surpreendeu com a sua perspicácia de 8 anos. Ela declarou que os adultos choram “porque quando crescem as pessoas deixam de ter outras pessoas para os encorajar, para os apoiar e acompanhar nos momentos difíceis”. Para isto Mackabala dizia-me que era fundamental “aproximarmo-nos de quem está triste e ficar junto. Encorajar essa pessoa até que passe”.
A empatia é a competência que está na base das relações. É a capacidade de me colocar no lugar do outro, de entender o que sente em determinada situação. É, portanto, uma competência essencial para relações saudáveis, mais harmoniosas e acima de tudo, mais humanas. Está na base do altruísmo, da generosidade e de tomadas de decisão socialmente responsáveis.
Uma sociedade sem empatia, é uma sociedade desumana, como acontece com o terrorismo, ilhada a nível social e anémica emocionalmente. Não acredito que Portugal se inclua nesta definição, mas de acordo com o relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento) somos o terceiro país do mundo onde se consomem mais antidepressivos. O que me preocupa é que estes números revelam que grande maioria dos adultos encarregues pela educação das futuras gerações de Portugal, sofre ou já sofreu, de uma tristeza profunda e prolongada no tempo, de depressão.
O que caracteriza alguém que passa por uma fase destas, para além da tristeza, é sua dificuldade em ter perspectiva “Isto nunca vai mudar” e ter um olhar sobre o mundo como “um lugar perigoso” onde os outros representam uma ameaça. Esta combinação dificulta a prática de nos colocarmos no lugar do outro, de altruísmo ou generosidade.
Ora uma criança que cresce com este adulto deprimido, tenderá a não receber as bases de empatia, poderá tornar-se naquele líder egoísta, na mulher fria ou emocionalmente instável, na pessoa inexpressiva ou conflituosa nos seus relacionamentos, ou no marido egoísta que toma decisões sem nunca equacionar o impacto que terá na sua família. As boas notícias é que tratando-se de uma competência, com ou sem depressão, com ou sem ondas, a podemos praticar. Seja em nós adultos ou na educação dos nosso filhos.
Por isso aqui ficam algumas ideias.
Dica para ser um cuidador mais empático quando o seu filho faz algo de errado:
Antes de o castigar, siga a regra das 3 perguntas:
1. Porque será que o meu filho agiu assim? Permite que se coloque no lugar dele, e reaja tendo em conta o que este está a viver. Praticará tambem a sua capacidade de empatia e ficará mais facil para a criança aprender com o seu exemplo.
2. Que lição lhe quer transmitir? Ajuda a delimitar o objetivo que pretendemos. Já que às vezes é comum ouvir “ele fez mal, fica de castigo” sem haver um moral da história.
3. Qual a melhor forma de o transmitir? Ajuda a que se identifiquem quais as melhores ações/castigos/métodos…
Uma receita para brincar à empatia:
Diga (ou faça cartões com) as seguintes situações (pode ir mudando conforme se sentir mais criativo/a ou até mesmo ajustar as situações à realidade aí em casa):
“Ele deixou cair o Gelado”, “A festa de anos dela é hoje”, “ela tem que ficar de cama uns dias”, “caiu da bicicleta e partiu-a”, “Está há 3 horas no carro”; “mais uma vez gozaram com ele na escola”, “A professora já o avisou para parar com a brincadeira”, “O primo deu-lhe um brinquedo novo, mas o melhor é sempre para o irmão”, “Ele queria mesmo era ir ter com o Pai”, “O cão vai ter que ser operado novamente”, “O cão dele morreu”, “ele vai ter uma ficha amanhã”, “ele vai ter que pedir ajuda a um desconhecido”, “Tem que estar à espera de alguém para o vir buscar”, “ele nunca recebe os presentes que quer”, “ela fez um desenho lindo”.
Diga (ou faça) uma lista de emoções. Por exemplo:
Desapontado, excitado, feliz, triste, ciumento, zangado, com vergonha, confuso, orgulhoso, preocupado, grato, frustrado, com medo
A ideia é que diga as situações à criança e que perante cada situação ela diga o que acha que o personagem daquela situação está a sentir.
Pode ir mudando as situações ou ajustá-las à realidade do seu filho/a. Se lá em casa gostarem de artes plásticas, também podem escolher imagens de revistas que ilustrem as situações á medida que vão pensando no que sente a personagem.