Kids@Kyushu:Perdas

Fiquei desnorteada. Aliás nunca percebi muito bem, porque é que é tão comum dizer-se fiquei sem norte, sempre que alguém se sente perdido. Penso que esta reflexão não começou com o que me aconteceu no sul do Japão, vem sim da altura em que vivi no hemisfério sul, no Brasil. Lá, sentia muitas vezes que esta expressão era meio preconceituosa e desvirtuante em relação ao sul. Porque que apenas o Norte daria sentido às coisas, às nossas vidas? Porque não éramos nós habituados a dizer encontrei o meu Sul?

Enfim, filosofias à parte, eu estava na ilha do Sudeste Japonês, em Kyushu, quando fiquei doente. No último artigo do projeto Kids falei da importância do sonho para a vida das crianças. Já passei pela tolerância, harmonia social e outros temas, e hoje é a vez da perda. Em breve sigo para a Colômbia, onde vou entrevistar até crianças indígenas

Decidira visitar esta região do sul Japonês à última hora. Sabia que era conhecida pela sua beleza natural, pela qualidade do surf, vulcões ainda ativos, como em Kagushima, e, porque grande parte da história Japonesa começara aqui.

Deuses de Sol Chintoístas, ilhéus povoados por fantasmas, portos de entrada marítima milenares, cidades embutidas em termas, como Beppu e até às maiores cascatas sagradas em Takachi-ho, onde adoeci.

É também o lugar onde se deram guerras sangrentas, como a dos samurais. Desconfio que inconscientemente, esta foi a grande razão que me motivou a visitar o sul. Não podia deixar o Japão, sem encontrar algumas crianças com descendência Samurai.

Tinha acabado de chegar de um retiro Za Zen (onde aprendi a praticar meditação e a seguir os rituais dos monges Japoneses que lá viviam há mais de duas décadas). Antes deixei Beppu, onde a única regra era não deixar a cidade sem saltitar de termas naturais em termas naturais pelo menos durante 2 dias. Por isto sentia-me revigorada para muitas mais entrevistas com crianças.

Takachi-ho era a única vila onde não tinha nenhum contacto e também sabia que seria difícil encontrar pessoas que falassem inglês. Caracterizada por ser um lugar remoto e sagrado, também a sua lenda fazia com que fosse imperdível.

A lenda conta que foi numa das grutas das cascatas desta vila, que a Deusa do Sol, Amaterasu, trouxe luz ao mundo em escuridão. Parece que por lá passou e a partir de lá, iluminou o mundo.

Segundo a lenda, Amaterasu zangou-se com o mau comportamento do seu irmão, e por isso escondeu-se numa gruta (hoje considerada sagrada), levando a luz e deixando o mundo às escuras. Alarmados com o acontecido, os outros Deuses reuniram-se para decidir o que fazer para iluminar tudo de novo. Até que um dos deuses, Ame-no- Uzume, resolveu dançar para Amaterasu, deixando-a rendida e, acima de tudo, curiosa, fazendo com que quisesse saÍr da cave. Neste momento, ela não só saiu, como devolveu a luz ao mundo.

Foi exatamente assim que me senti quando fiquei doente, impossibilitada de mexer-me, numa pousada familiar remota a cerca de 5 kms da pequena vila. Na escuridão, com esperança que algum Ame-no-Uzume pudesse-me ajudar a explicar à responsável da casa (que nada falava de inglês) que eu precisava de um médico.

Três dias depois, sem médico, nem Ame-no- Uzume, apenas com a ajuda da família da pousada, consegui recuperar alguma força para apanhar o famoso Shinkazen de 15 horas, que me levava rumo ao aeroporto de Tókio.

Tenho a crença que na Europa não estamos habituados a ficar muito doentes, e se falamos em perder o norte, normalmente falamos em perder coisas, dinheiro, amigos ou pessoas, e nunca incluímos a doença ou a confiança. Talvez no hemisfério sul, ao falarmos de perdas, surja a doença como uma das coisas mais importantes que se pode perder, não sei.

Se olharmos para Portugal, no recente mês de Outubro, perdemos mais de 50 000 hectares de floresta com os fogos, mais de 108 vitima mortais e centenas de desalojados. Perdemos ainda mais de 80% do Pinhal D´el Rei e só em Tocha tivemos mais de 25 mil euros em prejuízo.

Perante esta calamidade diria que é urgente os Portugueses aprenderem a lidar com a perda, especialmente para momentos como este. Entender o que pode acontecer quando perdemos algo, como se processa, o que sentimos, e que podemos fazer para recuperar de perdas que nos parecem irrecuperáveis. A acrescentar a tudo isto, ensinar os nossos filhos, as futuras gerações, a fazer o mesmo, de modo a irem criando a sua conta poupança para lidar com perdas.

Por isto, porque perder faz parte da vida, e ganhar também (mas essa às vezes é mais fácil de lidar), incluí algumas perguntas sobre a perda, nas entrevistas que faço às crianças pelo mundo fora. Pergunto se já perderam alguma coisa e peço-lhes uma receita para se lidar com a perda.

Acreditava que as crianças da Serra Leoa eram os verdadeiros especialistas de perdas, dada as gerações que viveram a guerra civil e o recente surto de Ébola em 2015, mas como sempre, fui surpreendida. Vi que não foram só eles a dar-me bons conselhos.

Respostas como “Esperar que passe. Sempre acaba por passar”, “Fazer Surf com os amigos” ou ”Fazer coisas que gostamos até nos sentirmos melhor” foram algumas das respostas Na Serra Leoa.

No Japão rondavam o “escrever uma carta faz sentir melhor”, “perder? Nunca perdi nada..só um carrinho…”

Já em Portugal as histórias foram outras: “quando perdemos coisas, podemos sempre comprar outras… mas quando são pessoas… já sei, se tivesse uma molécula dessa pessoa criava-a outra vez”.

“Perdi a minha cadela, penso que se tivesse um quarto cheio de cachorrinhos para me darem lambidelas, eu ia-me sentir bem outra vez”.

“Perdi a confiança, quando descobri que o Pai Natal não existia….mas isto foi quando tinha 2 anos, claro (criança com 9 anos agora) até vi que as meias que pomos nas chaminés são sempre pequenas demais para serem dele e até para pôr presentes, mas depois aceitei. Às vezes temos que aceitar as coisas como elas são”.

Para início de tópico, quando falamos em perdas, talvez por ser um tema difícil, normalmente não estamos conscientes do que podemos perder. Diria que o primeiro passo é identificar que se está perante uma perda, em seguida, identificar o que se sente com isso, e por fim, ativar estratégias para se lidar com a situação. Passando da teoria à prática.

Podemos perder 5 coisas importantes: Pessoas, Objetos, Animais, Confiança e Saúde. Cada uma destas perdas remete para emoções diferentes, com profundidades diferentes. Se há regras quando falamos de perdas, é sem dúvida o facto de não haver supostos em relação ao que se deve ou não sentir.

Algumas das emoções mais comuns quando estamos perante uma perda são: Zanga, revolta, ansiedade, medo, calma, contentamento, tristeza, aceitação, negação. Aqui fica uma atividade que pode fazer com as crianças lá de casa. E uma atividade para os adultos.

Para crianças dos 6 aos 10 anos (também dá para crianças mais velhas, mas não dá para mais novas).

1. Ilustrar a história do que perdi:
Em conjunto devem preencher a seguinte história:
1.1 Quando eu perdi…
1.2 Eu fiquei Triste Porque…
1.3 Eu lembro-me que…
1.4 Eu era feliz quando…
1.5 Eu senti-me triste quando…
1.6 Uma coisa engraçada que me lembro desse momento é…
1.7 O que as outras pessoas me disseram naquele momento foi…
1.8 O que me fez mesmo sentir melhor naquele momento foi…

Depois de preencherem a história da perda, podem ilustrar, com recortes, desenhos e colagens.

Para os Adultos:

Durante os 3 meses seguintes a uma grande perda é comum haver uma grande instabilidade emocional, há até quem lhe chame, um “carrocel de emoções dificeis”. Contudo, há uma serie exercicios que podem ser feitos e que podem acalmar essas emoções. E como todos os adultos que sofreram neste momento o impacto das perdas dos fogos do país merecem um miminho especial, aqui fica um exercício, que ao longo destes 3 meses, pode ajudar a transformar algumas das emoções dificeis que são vividas nesta fase.

Aqui vai:

Imagine que lhe foi dada a oportunidade criar a a sua vila/cidade/aldeia ideal. Um lugar com muitas coisas que lhe pudessem dar mais qualidade de vida a vários níveis.

Responda às instruções:

1. Os serviços: Que tipo de serviços gostaria que a sua nova localidade tivesse?

2. Os lugares com natureza. Como gostava que fossem? Perto ou longe de sua casa? Acessíveis, verdes ou mais húmidos? Apenas um lago, ou uma praia?

3. Os transportes. Gostava que andassem de bicicleta, de carros, de cavalo ou apenas a pé? Seria um lugar com fácil acesso ou difícil?

4. Imagine agora a relação entre os vizinhos. Como gostaria que as pessoas que vivessem mais próximas de si se relacionassem? Haveria uma associação comunitária? Apenas encontros ocasionais no supermercado com cumprimentos tímidos?

5. E crianças: Um lugar com muitas ou poucas crianças?

6. Os serviços. Haveriam muitos serviços, poucos? Que tipo de serviços? Apenas os essenciais mais que isso? Gostaria de prestar algum serviço na sua comunidade?

A transformação de emoções difíceis é possível e esta é apenas uma atividade.

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