A Natureza é Fundamental

Ninguém quer assistir passivamente ao mundo a adoecer, mas parece que ninguém sabe muito bem qual é a solução.

Maslow falava em pirâmide de necessidades básicas (como a alimentação) e complexas (como o sentimento de pertença). Já eu acredito no que nos distingue como espécie, nas emoções. E por isto propus-me a criar um Kit de Emoções para Famílias. Por outro lado, se me proponho a criar um Kit de Emoções para Famílias, tenho que recuar ao básico, deixar o nível mais complexo das coisas e ir à base das bases. Se for necessário, recuar até aos nossos ancestrais e construir a partir daí. Foi esta crise existencial que me atacou em plena Amazónia Colombiana e me pôs em contacto com a natureza. Foi ali que olhei a natureza como “um lugar” onde o básico (como a alimentação) e o complexo (como o sentimento de pertença) se fundem. Por isso hoje, foco-me nos benefícios da ligação com a natureza como uma solução, não só para o aquecimento global, mas também para o bem-estar emocional.

A cerimónia típica de ocidental perdeu-se quando senti um balançar de rede, às 4h15m da manhã. As netas de Rogélio queriam que acordassemos antes de o nascer do sol para ouvir os pássaros da noite e procurar os olhos do Jaguar.

É difícil descrever o que se sente quando damos de caras com uma floresta tropical como a Amazónia.
Com acessos limitados, são os caudais dos rios que entre cruzam a selva que nos levam a lugares mais profundos. Nas margens, veem-se muitas comunidades indígenas a tentarem acompanhar o ritmo da “plata” (dinheiro) e que por isso mestiçam os seus valores. Entre as ramadas mais densas descobrem-se outras tribus, que se escondem em território indígena e lutam diariamente para manter os seus costumes longe das leis do Branco. A Organização Mundial da Colômbia fala em 87 grupos indígenas no total, dos quais 18 estão em perigo de extinção.
Aqui acordamos antes do sol nascer, banhamos quando ele ainda nos consegue aquecer, e descobrimos norte e sul na sombra; fazemos fogueiras para o ajuri (refeição coletiva) e beber o pajuaru (bebida fermentada de mandioca). Por cá caminhamos horas para procurar água doce e beber com a mão em conchinha. Dormimos alinhados em redes amakas quando o sol se põe e observamos o céu. Também rezamos para que as rãs não estejam em fase de procriação para termos uma noite silênciosa (é a altura do ano em que se unem e praticam um coro ensurdecedor).

A família de Rogélio, é uma família indígena residente num dos caudais do Rio Amazonas e recebeu-me de braços abertos. Vivem em casas próximas entre si, construídas sobre estacas e de frente para o rio. Rogélio pertence à tribo Cocama.
Reza a história que os cocamas sofreram uma rejeição da identidade étnica intergeracional que levou a uma desagregação, daí cresceram os casamentos com pessoas de outros povos, principalmente os ticuna. As comunidades cocama são formadas por parentes com fortes vínculos e a proximidade das casas demonstra a sua relação genealógica.
As mulheres costumam preparar o alimento e ajudar os maridos no cultivo da roça familiar. A pesca e a caça são atividades praticadas por todos.

Rogélio tem apenas 85 anos (é assim que se apresenta, acrescentando que está pronto para casar outra vez, já que o “o amor da sua vida” morreu o ano passado) aos 11 anos descobriu que era xamã. Para ser xamã não basta ter conhecimento dos ciclos da natureza, “tive que aceitar o meu dom e aprender a usá-lo da melhor forma”.

O xamã é alguém que manifesta poderes incomuns, como o dom de invocar espíritos ou o poder das plantas, um estado alterado de consciência. A comunicação com estes aspetos da vida é alcançada através de batidas de tambor, danças, sonhos e muitas ervas.
Confessou-me que naquela altura a vida na Amazónia tornou-se assustadora com as revelações que recebia da natureza por isso decidiu sair para “apanhar ar”.

11 anos depois regressou a casa, já com um curso de medicina e muitos quilómetros de natureza palmilhados. Sentia o peso do legado, mas nada lhe foi tão pesado, como a vergonha de encarar uma mãe que nunca deixou a porta de casa à sua espera; este peso fez com que se sediasse longe dali, num dos caudais deste Rio. Ainda hoje é naquele lugar que pratica seu xamanismo e cura pessoas e mais pessoas. Contou-me que só com o que a natureza já curou milhares de pessoas, umas com doenças simples, como a constipação, outras com doenças complicadas, como cancros.
A Jessica de 9 anos e a Maria de 6 (netas de Rogélio) foram as minhas guias. Ainda não se descobriu se alguma herda o dom do avô. Embora o conhecimento seja partilhado pelos elementos da família, o dom só se revela numa cerimónia quando fizerem 11 anos.

Desde que cheguei que me tentaram ensinar cada som e movimento dos pequenos caudais do rio. Foram elas que me mostraram 36 brincadeiras possíveis com apenas um gafanhoto. Que me apresentaram os cogumelos comestíveis e os venenosos. Com elas, aprendi o poder da seiva do “Sangue de Dragão” e o espírito divino da planta do Ayoasca. Com elas aprendi a pescar girinos. Foi também a Jessica que me ajudou a mergulhar nas margens do Amazonas e a reconhecer o barulho de uma remada de canoa, para me esconder. Afinal uma mulher quando toma banho no rio merece privacidade.

O estado de alerta e conexão que devemos ter, quando atravessamos um caudal povoado por crocodilos e anacondas não está no ecrã, é um facto. A cooperação entre todos, uma necessidade. Estas meninas mostraram-se que é importante olhar para a natureza, não como um todo, mas como um ponto de partida. Se a Maria adorava os bichinhos das lamas, a Jess vibrava com as plantas e espécies de gafanhotos. O Rogélio dependia dos ciclos das estações, e os seus filhos das marés do rios. A forma como por cá se lida com o tempo é sem dúvida inspiradora.

Estas crianças brincam ao ar livre e vivem de e com a Natureza. Esta interação mostra que há ciclos de vida, estações do ano, que as coisas têm o seu tempo: de nascimento, crescimento ou desenvolvimento e por fim de morte.
A envolvência desta família tem com a natureza dá-lhes uma consciência maior de proteção, preservação e conservação. Afinal a Natureza, para eles é um recurso essencial.

Quando constatei que uma das preocupações do millenium continua a ser o ambiente e o aquecimento global. Que a maioria das respostas das crianças da Serra Leoa, Japão, Portugal, Colômbia e Brasil à pergunta “que conselhos darias aos adultos para serem mais felizes? Foi: CUIDAR DA NATUREZA!!” resolvi incluí-la no kit e perceber como é que os Portugueses vivem esta realidade.

Nos Estados Unidos um estudo que mostra que as crianças Americanas têm menos contacto com a natureza que os presos. Outro estudo, mostra que as crianças Portuguesas têm em média 63 minutos de contacto com o ar livre, puro.

As razões para isto revertem para as questões de insegurança, para os perigos da vida de bairro, das crianças andarem na rua. Já o impacto deste afastamento entre novas gerações e Mãe natureza é avassalador: Ao nível de sistema imunológico (carências de Vitaminas como Vit D) como o tipo de envolvimento e proteção que as crianças acabam por ter com uma entidade com a qual não interagem e desconhecem, a natureza.

Porque as futuras gerações merecem crescer saudáveis, física, sócio e emocionalmente, aqui ficam algumas dicas de como podemos promover a conexão com a natureza nos nossos filhos formando-os como agentes de mudança na resolução desta preocupação do milénio: a protecção ambiental.

1. Não olhar para a natureza como uma entidade única. Há pessoas que adoram pássaros, outras que preferem insectos. Descubra os interesses de cada um lá em casa. Faça um passeio com os seus filhos e veja o que os hipnotiza, se as flores, os insectos ou os tipos de texturas da madeira. Delicie-se com o facto de a natureza hipnotizar mais do que um jogo de Ps4.
2. Observe o céu em vários momentos do dia: Manhã, à tarde e à noite. Identifique as grandes diferenças e em família, façam um desenho onde todos colaboram.
3. Programa ideal para um final de dia ou Domingo: Passeio num parque com vegetação. Levem vendas e um a um façam o passeio dos sentidos. De olhos vendados o objetivo é usarem os sentidos para descobrirem o parque através dos cheiros, dos sons ou das sensações na pele.
4. Fazer um passeio numa floresta com a audição ativa. A missão? Descobrir o barulho da Água ou de uma fonte e beber com mão em “conchinha”.
5. Criar um ritual de início de estação: Celebrar o início de cada estação com um passeio no campo. Ao longo deste passeio a família é encorajada a viver, através dos seus sentidos (de olhos fechados, sentir os cheiros, os sons e as temperaturas de cada estação. Uma visita ao parque mais próximo de casa é ideal. Idealmente um parque com árvore, flores e outros elementos de natureza que não seja um parque de baloiços).
6. Fazer um passeio para apanhar folhas. Fazer um mostruário de folhas secas.
7. Fazer uma fogueira.

Bons momentos com a Mãe Natureza para esta semana!

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