Famílias

A Maya começou “leve-leve” e quando se apercebeu já estava apaixonada pelo segundo Homem da sua vida, o Iódi.

Com ele teve mais dois filhos. Disse-me que a verdadeira família são os nossos filhos e as crianças que vivem connosco “homens vão e vêm”.

Se noutros lugares os ritmos importam, na capital mais pequena do mundo e uma das maiores biodiversidades do planeta, na ilha do Príncipe, ainda mais. Uma ilha com cerca de 7000 habitantes registados, dos quais 4 000 são crianças e 40% de floresta virgem, as coisas devem respeitar, sem dúvida, o seu fluxo “Leve-leve”.

O “Homem da Lua”, como é conhecido nas ruas da ilha é um empresário sul-Africano e o grande investidor deste território. Ficou conhecido por ter sido um dos primeiros turistas espaciais da história e por querer fazer de uma das ilhas mais pobres do mundo uma utopia de sustentabilidade. Objetivo cumprido ou não, as coisas têm seguido o seu rumo e a verdade é que tem investido na ilha como se fosse o seu bebé em crescimento. Tornando-se numa dos responsáveis pelo aumento do poder de compra dos habitantes (mesmo com todas as polémicas envolvidas).

A Bela conhece-o e juntou o seu sonho ao dele: ter uma guest-house e servir o melhor Bonito grelhado do mundo era o que a movia. Sempre acreditou que a Família era um dos valores mais importantes da vida, até mesmo mais importante do que o trabalho. Acima de tudo queria interromper o ciclo de pobreza em que vivia através de um negócio familiar “Graças ao homem da Lua a única estrada que leva a capital ao aeroporto está concluída e isto tem aumentado o nº de pessoas que passeiam pelo rio Papagaio, por isso hoje estou a construir a minha primeira guest-House e a minha família é que está a ajudar”.

A Maria do Céu é mais um elemento da grande família da Ilha. É uma investigadora Portuguesa que faz o reconhecimento da fauna e flora do arquipélago. O Príncipe é um ótimo Playground para quem trabalha nestas áreas e Maria do Céu foi gradualmente tornando os terapeutas e curandeiros tradicionais na sua família. Deles recebe os conhecimentos sobre as plantas (muitas endémicas) e agrega-os. Afinal se todos soubermos os benefícios de determinadas seivas e plantas podemos começar criar a nossa própria farmácia caseira.

A Vanessa é bióloga, com muitas milhas marítimas feitas. Viu a família biológica passar a numerosa, quando se apercebeu que as equipas de guardas dos mares e até de tartarugas que criam ninho na ilha, lhe davam um sentido de “estar no lugar certo”, de pertença. São estes que a apoiam quando precisa ir salvar um ninho no meio da noite, que a ajudam a proteger os ninhos contra as ameaças dos turistas, e até lhe dão um sentido de propósito fundamentais para sobreviver à distância de casa. O Facto desta ilha juntar cerca de 5 (de 7) espécies de tartarugas do mundo (e algumas delas estarem em vias de extinção) reforça o sentido de propósito, de proteção e dedicação à ilha.

A Estrela, trocou as maresias de Sines pela humidade do Príncipe e dedica-se à sua nova família, as mulheres da cooperativa. Estas mulheres fazem do vidro que recolhem da ilha e que vai chegando com as marés vazias, obras maravilhosas. Transformar vidro em joias que conseguem escoar (podem ver e comprar na Dome Etical Store,em Lisboa) tem vindo a unir a Família, a melhorar a socialização, valorização e sentimento de utilidade.

A ideia de visitar a Ilha do Príncipe surgiu essencialmente por ser uma ilha com uma enorme biosfera e com mais crianças que adultos. Desconfiei que seriam ótimos especialistas de sonhos e de conservação e proteção da natureza.

Mais uma vez fui surpreendida pelo projeto quando me apercebo que o (assunto) Família é um dos que mais importa neste retalho do Mundo. Estando a criar um Kit de saúde emocional para Famílias, aproveitei a dica para me debruçar no tema e enriquecer a ferramenta.

Às perguntas o que te deixa feliz? A maioria das crianças focou essencialmente: ” Estar com a minha Família e dar mergulhos no Mar”.

O termo “família” é derivado do latim famulus e significa “escravo doméstico”, mas a definição clássica de família remete para outras dimensões (e ainda bem): um agrupamento humano formado por indivíduos com ancestrais em comum e/ou ligados por laços afetivos que geralmente vive na mesma casa.

Ao nível de função, há várias visões. Enquanto uns defendem que a família é aquela que gera afeto entre os membros, que proporciona segurança e aceitação pessoal, sentimento de utilidade e ainda a base de aprendizagem das regras sociais.

Outros acrescentam que deve ser a responsável por garantir as necessidades básicas, como promotora do sistema de crenças e atitudes face à saúde. Felizmente hoje, a família pode ser muito mais do que um conjunto de obrigações ou ligações biológicas. Envolve também, proteção e afeto.

Há factos intemporais, que não dependem de teorias: a Família é a primeira instituição social com a qual a criança tem contacto na vida, e que serve como quadro de referência para futuras relações e interações com os outros e com o mundo. Esta foi uma das razões que me mais me motivou para este projeto, acreditar que a Família deve ser foco de atenção e apoio pela sociedade.

Quer sejam Famílias monoparentais, arco-íris, adotivas, biológicas ou postiças, devem ser apoiadas pelas vários organismos e nutridas de ferramentas que lhes permitam exercer saudavelmente a parentalidade, para assim formar as futuras gerações, com menos sofrimento ou agressividade, mais laços afetivos e melhores interações com o planeta, afinal “Sem o afeto de um adulto, a criança não desenvolve a sua capacidade de confiar e de se relacionar com o outro”.

Daí que se tenha tornado tão claro para mim a necessidade da criação de uma ferramenta que tivesse o contributo de “filhos” e servisse de apoio para as Famílias.

Retomando a ilha do Príncipe. Na dinâmica social e familiar da ilha, a mulher desempenha muitos papeis de negócios e normalmente gerem-nos independentemente dos seus companheiros ou irmãos.

Ser “Mãe” é bem mais importante do que ter uma família com companheiro/marido. Aqui, mais do que noutros lugares do mundo que conheço, há dois tipos de união entre casais: o “viver Juntos” e a “relação de visita”. E tudo isto condiciona o tipo de família que por cá se vive.

As crianças do Príncipe, a Maya, a Estrela, a Maria Do Céu, a Vanessa e a Bela têm algo em comum com o “Homem da Lua” fizeram da Ilha casa e criaram a sua família a partir desse ponto.

De facto se olharmos para o conceito de família nos dias de hoje, os números de vários países mostram-nos que o conceito tem vindo a fugir do modelo tradicional (Pai provedor e mãe doméstica) criado para servir o desenvolvimento do capitalismo.

Se na ilha do Príncipe mais de metade das crianças têm mães solteiras, na Colômbia 84% dos filhos são de Mães Solteiras, já em Portugal (em 2016) o número rondava os 2446 e 103 foram registados de mães incógnitas (barrigas de aluguer no estrangeiro, por exemplo) e 64 pessoas adotaram uma criança nesse ano.

E embora Portugal seja um país religioso tradicional, os números mostram-nos uma realidade, a reformulação do conceito e função familiar. E atenção que mudar de paradigma em relação ao conceito de família, não lhe retira significa importância no que concerne o “Valor de Família” apenas ajuda a a reflexão. Afinal mais importante do que forma ou tipo de família (monoparental, arco-íris, adotiva, com irmãos postiços, madrastas ou padrastos) o que importa é o exercício da parentalidade em pleno, com qualidade de laços afetivos.

Que sociedade civil e legislação acompanhem esta mudanças sem preconceitos.

Em termos legais o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia tentam acompanhar as modas e criam medidas para manter os laços afetivos dos menores e evitar o seu sofrimento. Resta que a sociedade civil integre e apoie os diferentes conceitos de família com tolerância.

Que a nossa máxima seja o respeito e promoção da primeira experiência de socialização da criança, com mais afeto, acompanhamento e valorização, proteção e formação de valores, consequentemente de carácter.

 

Algumas dicas que melhoram a socialização afetiva lá em casa:

 

 

 

 

 

  1. Perceber qual o tipo de demonstrações de afeto usadas lá em casa: todas as famílias têm a sua cultura e se para uns é óbvio que temos que dizer “gosto muito de ti”, para outros o amor vê-se à mesa e na forma como se preparam as refeições. Identifique a sua e ponha-a em prática.
  2. Identifique quem são as pessoas, com quem não tem laços biológicos, que fazem parte da sua família pelos laços afetivos, sonhos, convivências, datas especiais e rituais que partilham. Às vezes aquele amigo/amiga são os melhores tios ou irmãos “postiços” que podemos dar-nos a nós e aos nossos filhos.
  3. Rituais: Reflita sobre os dias de celebração importantes para si e para a sua família, crie a partir daí um ritual seu. Às vezes os dias de celebração especiais impostos pela sociedade não nos dizem muito e pouco contribuem para socializações afetuosas.
  4. Todas as famílias são diferentes, mas todas ficam tristes quando perdem alguém que amam. O importante é perceber esta diferença e fazer com que todos os membros se sintam valorizados, que são importantes e primeiro que fazem parte daquele que é o seu primeiro grupo social.

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